terça-feira, 31 de março de 2015

Em crise de audiência, Rede Globo apresenta 3 excelentes folhetins

Já fazia algum tempo que a Rede Globo não exibia três excelentes folhetins ao mesmo tempo. A crise de audiência que assola a emissora, é verdade, é bastante evidente. Ainda assim, é inegável que as produções atuais da emissora carioca expõem uma qualidade conjuntural não muito comum na sua grade: sempre há alguma novela (às vezes todas) que costuma destoar. Desta vez, entretanto, a situação é diferente.
 
Sete Vidas retoma o excelente e maduro texto de Lícia Manzo. A autora vem tangenciando, como sempre, temas complexos e controversos com a naturalidade de quem escreve com inteligência e segurança. Enredos familiares contemporâneos, seu tema preferido não é de hoje, embalam uma dramaturgia profunda e sensível. Sete Vidas trata do cotidiano com certo olhar de análise e reflexão. Não deixa de lado, porém, o drama e a emoção. Licia é um Manoel Carlos com traços mais psicológicos. Um dos grandes nomes da nova geração de autores.
 
Babilônia, por sua vez, estreou em meio à desnecessária polêmica do beijo gay. A polêmica, em contrapartida, prova que o beijo gay é, ainda, necessário. Nessa necessária polemização desnecessária, o indefectível folhetim de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga ganhou os seus contornos. A novela resgata o melhor das tramas mais espertas de Gilberto Braga: a dinâmica das classes sociais, da desigualdade e dos micropoderes. Com duas astutas vilãs (vividas por atrizes excepcionais), um casal gay emblemático (vivido por atrizes tão excepcionais quanto) e um casal hétero que também promete causar (vivido por Gagliasso e Charlotte, dois ótimos atores), Babilônia se enreda de forma instigante. Mas nem tudo são flores: a insuportável mocinha pesa contra; o núcleo cômico improvisador, apesar de encarnado por atores interessantes, também não funciona. Assim, alguns ajustes na dramaturgia são fundamentais.
 
Alto Astral, por fim, é a novela das sete tradicional. Mas Daniel Ortiz vem provando que sabe reeditá-la de forma muito competente. O folhetim é bem amarrado e engraçado; uma eficaz opção de entretenimento. A novela, é preciso dizer, também vem sendo sustentada por suas ótimas revelações: Conrado Caputo e Gabriel Godoy são dois exemplos. E eles não estão sozinhos: o elenco tem peças em consolidação (Sérgio Guizé, Giovanna Lancelotti) e experientes (Elizabeth Savalla, Cláudia Raia) que ajudam a firmar Alto Astral como um sucesso. Um sucesso, aliás, que foge à regra da atual situação da emissora: Alto Astral vem apresentando bons índices de audiência.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Mal escrita e com direção over, Dez Mandamentos é um desperdício de dinheiro

Dinheiro é algo importante para sustentar qualquer produção de ficção. É assim no cinema, também é assim na TV. Mas não é tudo. O número de filmes ruins com orçamentos milionários é extenso. Blockbusters de qualidade contestável são produzidos todos os anos. No mundo das novelas, a Rede Globo também já produziu suas tralhas endinheiradas. Viver a Vida, de Manoel Carlos, é um bom exemplo de que o dinheiro nem sempre impulsiona uma história. A Padroeira, de Walcyr Carrasco, também passou longe do retorno ao investimento feito pela emissora na época.
 
 A Record, por sua vez, vem investindo bastante dinheiro em teledramaturgia nos últimos anos. A emissora paulistana conseguiu até mesmo emplacar folhetins com excelente recepção na crítica, casos de Escrava Isaura, de Tiago Santiago, e Vidas em Jogo, de Christianne Fridman (a melhor autora da casa, sem dúvidas). Os Dez Mandamentos é a última etapa de um processo de investimento que, apesar de seus altos e baixos, ao menos mostra um interesse genuíno da Record em continuar aplicando forças em sua teledramaturgia.
 
Mas Dez Mandamentos é, primeiro, mal escrita. À parte dos bons trabalhos (alguns melhores do que outros) feitos por Vivian de Oliveira em suas minisséries bíblicas, Os Dez Mandamentos não tem a mínima força textual. Vivian opta por uma narrativa ortodoxa, pouco inovadora e muito formal. Em suma, a dramaturgia de Vivian soa como teatro quadrado: não há contextualização, não há apuro, não há qualquer tipo de salto além do que já é exaustiva e hermeticamente contado pelas escrituras - nem no conteúdo, nem na forma. Se a opção de Vivian funciona de algum modo em textos de tiro curto, em uma novela isso parece limitado. Em suma, o texto de Vivian é ruim, ainda que haja o nítido esforço em deixar a trama dinâmica (o que funciona até certo ponto).
 
Em segundo lugar, a direção é over demais. O Egito brilha como uma escola de samba endinheirada do Rio de Janeiro. Não chega nem a ser kitsch: é apenas brega, excessiva, uma ostentação barata (apesar de cara). Os atores também reproduzem falas como se estivessem condicionados ao clima fake que atravessa a direção. A fotografia é cansativa; o figurino, batido; a trilha incidental, piegas. Nada parece escapar da lógica de fausto cafona que penetra nos mínimos detalhes. Longe do excesso contextualizado que enche os olhos (como em Caminho das Índias), o excesso de Os Dez Mandamentos é uma alegoria desnecessária. Nem mesmo os miseráveis egípcios são retratados de um modo razoável. Funcionava nas minisséries. Em novelas, porém, o brilho abundante não cola. No fim, a primeira novela bíblica da Record precisa ser mais que um teatro ruim do século XX: Os Dez Mandamentos precisa ser mais novela.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Babilônia tem o melhor primeiro capítulo dos últimos anos

Toda desconfiança que poderia cercar o primeiro capítulo de Babilônia caiu completamente por terra depois de um primeiro capítulo maravilhoso. Maravilhoso, não existe melhor palavra para resumir a dinâmica e a esperteza de roteiro que Gilberto Braga, João Ximenes Braga e Ricardo Linhares imprimiram a uma constelação de personagens que, já nas primeiras tomadas, revelaram seus potenciais. Por óbvio, não sobrou muito espaço para ninguém diante da força dos papéis de Glória Pires e Adriana Esteves, intérprete das arqui-inimigas (e, em paradoxo, amigas), Beatriz e Inês. Mesmo assim, todos que apareceram indiciaram sua importância em uma história muito bem amarrada.
 
A trama se desenhou do melhor modo possível neste excelente piloto. Beatriz, parte por conta de equívocos de uma personalidade muito calculista, vê-se sem saída e acaba matando Cristóvão (Val Perré), seu amante chantagista e motorista de seu futuro marido, o milionário Evandro Rangel (Cássio Gabus Mendes). Tudo isso em consonância com um ótimo senso holístico de dramaturgia, já que Cristóvão apenas recorre à chantagem diante da situação precária de sua esposa, Dora (Virginia Rosa), que precisa de dinheiro para furar a fila de um transplante de coração. Tangenciando a situação, conhecemos Inês, a ambiciosa amiga de infância da vilã (e obcecada por ela), que ciente do caso de Beatriz com o motorista, também resolve chantageá-la. O equívoco de Beatriz está em concluir, depois de flagrar um encontro fortuito entre Cristóvão e Inês, que os dois estavam mancomunados. Seja como for, uma breve descrição da história revela o principal: nada é jogado, inexplicável, sem causa no próprio roteiro. As ações são sempre motivadas e pertencem a uma história desenvolvida de forma inteligente. Beatriz não mata por matar. Cristóvão e Inês não chantageiam por chantagear. Os personagens são psicologicamente ricos e tem suas condutas, ao menos no que diz respeito a um bom roteiro, justificadas. Excepcional.
 
Glória Pires e Adriana Esteves, vale mencionar, estiveram magníficas. Glória volta com a mesma força de personagens como as gêmeas de Mulheres Areia ou a inesquecível Maria de Fátima, de Vale Tudo. Adriana, que em anos mais recentes explodiu como Caminha, encarna uma mulher mais humana que a sua antológica vilã de Avenida Brasil, mas não menos forte. Inês é dura, amarga, implacável. Fechando o trio de protagonistas, Camila Pitanga segurou bem o papel de ser o contraponto ético dessa pirâmide viciada. Ainda assim, é muito provável que Regina, apesar de parecer também a melhor mocinha dos últimos tempos, acabe de lado em meio a tantos personagens controversos. Fernanda Montenegro e Nathália Timberg foram um destaque à parte. Interpretando, respectivamente, o casal Tereza e Estela, as duas deram uma veracidade impressionante às suas histórias (tratando-se de atrizes desse gabarito, ninguém esperava outra coisa). Chamou atenção a pequena revolução e a coragem de Dennis Carvalho, diretor, que foi além de um mero selinho gay: o beijo das duas foi longo, vivo, demorado. Uma cena para entrar na história. E não só por refletir a velha problemática do cotidiano de casais homossexuais: aqui, a vida afetiva dos idosos entra em discussão em um país que distribui seu moralismo a tudo e a todos.
 
Dennis Carvalho, a propósito, emenda mais um grande trabalho. Claro que com a ajuda do excelente Vinicius Coimbra (e de toda a ótima equipe de diretores que os acompanha). O único erro, mesmo que mínimo, esteve na trilha incidental das cenas de Paris, um violino ortodoxo que tocou em todas as cenas que usaram a cidade. Como quer que seja, Babilônia resgata um espírito que vem perdido desde Amor à Vida. É bem verdade que, se Walcyr Carrasco é um dramaturgo muito pior que o trio que encabeça os créditos de Babilônia, sua última novela conseguiu repercutir de uma maneira que não se viu em suas sucessoras. Talvez pela coragem de Carrasco em questões morais. Coragem, aliás, também perceptível neste, mais uma vez repito, maravilhoso início de Babilônia. O blog torce para que a qualidade se mantenha.

sexta-feira, 13 de março de 2015

O Império dos Horrores

O fantasma do Comendador coroou uma sequência de despropósitos que se seguiram às ótimas primeiras semanas de Império. Começando como uma saga épica digna dos melhores momentos de Aguinaldo Silva, a novela apresentou, de início, tipos com grande potencial: caso de Xana (Ailton Graça), Maria Marta (Lília Cabral), Cora (Marjorie Estiano/Drica Moraes), o próprio Comendador (Alexandre Nero), entre outros, uma constelação de arquétipos muito bem projetados pelo dramaturgo. Mas nem tudo é feito de protótipos: o desenvolvimento de Império se perdeu completamente em uma ânsia por genialidade que o autor parece ter perdido desde Senhora do Destino.
 
A começar pelos próprios personagens. O comendador, vá lá, manteve o seu apelo, mas ainda assim se sustentou em volta de uma mística supraficcional: o anti-herói controverso foi o maior acerto do folhetim. Entretanto, José Alfredo esteve várias vezes envolvido nas viagens inverossímeis de Silva, situações que, sendo condescendente, comprometeram bastante a qualidade da composição. Cora, outra grande promessa, perdeu-se em uma caricatura infeliz, sendo ainda muito prejudicada pelo triste e necessário afastamento de Drica Moraes. Maria Marta tornou-se uma dondoca com momentos insuportáveis, e é preciso dizer que o papel apenas não foi pelo ralo por conta dos muitos momentos de brilhantismo de Lília Cabral: apesar de um pouco maneirista em Império, Lília é uma das melhores atrizes que temos. Xana foi mais além: era uma transexual que gostava de homens, mas a certa altura passou a dizer que não. Ainda virou escada de Naná, a coadjuvante carismática de Viviane Araújo. Desvirtuou-se por completo. Enfim, quatro exemplos de um conjunto de personagens perdidos em meio ao desenvolvimento precário.
 
E toda essa descaracterização de personagens deve-se, é claro, justamente ao péssimo desenvolvimento. Se a trama tinha lá o seu caráter de realismo épico, perdeu-se em sucessões de acontecimentos inverossímeis que logo transformaram a novela em algo como um non-sense assumidamente ruim. Tudo podia acontecer, desde Drica Moraes substituída por Marjorie Estiano até alguém ficar rico da noite para o dia pelos motivos mais loucos possíveis. O tom de absurdo dado a Império beirou a fantasia de Glória Perez. O folhetim de Silva, porém, sustentava-se em uma espécie de pretensão um pouco cult, um objetivo que, nem vale ressaltar, não esteve nem perto de ser alcançado. Mas se a certa altura as cores absurdas passaram a soar como intencionais, os furos enormes de roteiro não pareciam ser. Erros crassos foram se naturalizando em buracos cada vez maiores na sequência causal de fatos. Um exemplo: Silviano, o mordomo culpado (personagem de Othon Bastos, mais uma pretensão de Aguinaldo Silva), chegou a vigiar os passos de seu inimigo, Maurílio (Carmo Dalla Vecchia), em boa parte da novela. Capítulos depois, o autor parece ter mudado de ideia: Maurílio era, na verdade, seu grande aliado (e filho) em sua investida contra o Império do Comendador. De empregado fiel, Silviano se tornou o grande vilão de uma novela que, por uma incompetência magistral de Aguinaldo Silva, ficou carente de um bom antagonista (espaço mais tarde preenchido pelo cliché trágico de Caio Blat). Isso tudo sem a mínima explicação plausível para os fatos anteriores: a dedicação do mordomo à casa de Maria Marta ou as cenas em que, mesmo sozinhos, Silviano e Maurílio se confrontaram de modo seco.
 
Só um exemplo de uma colcha de retalhos costurada mal e porcamente. Nisso, o que poderia ter sido uma grande empreitada foi sacrificada pelo pior dos destinos. Talvez o exemplo mais emblemático desta triste novela tenha sido Cora: uma promessa que virou caricatura. Drica Moraes, por uma infelicidade, teve que se afastar. Mas a solução dada por Aguinaldo Silva à personagem foi ainda pior do que o soneto: transformá-la em Marjorie Estiano, sua intérprete da primeira fase. Depois a matou, como se estivesse lidando com uma cobaia que se revelou um monstrinho. A cobaia que se revelou um monstrinho: assim foi Império, foi Fina Estampa, foi Duas Caras, exemplos que vão se multiplicando no cada vez mais controverso currículo de Aguinaldo Silva.


Avaliação: RUIM.
 
 
Nota de rodapé 1: Por que o trono do Império coube a João Lucas (o péssimo Daniel Rocha) e não à primogênita Cristina (Leandra Leal, excelente no último capítulo)? Machismo? Claro que não, deve ter sido só paranoia.
 
Nota de rodapé 2: Aqui fica uma informação de utilidade pública. Homossexuais não precisam se casar com uma mulher para adotar uma criança. Legalmente qualquer pessoa com capacidade civil e com boas condições materiais pode fazê-lo. Solteira ou casada com homem ou mulher, independentemente da relação ser homo ou heterossexual

Nota de rodapé 3: Se Aguinaldo Silva errou em excesso, o mesmo não se pode dizer da direção de Rogério Gomes. Um trabalho impecável de um diretor que, por infelicidade, mais uma vez foi encaixado em uma trama ruim. Resta torcer para que Papinha, nos próximos anos, engate uma parceria tão imbatível quanto João Emanuel Carneiro e Amora Mautner ou Gilberto Braga e Dennis Carvalho.


Que venha Babilônia...

segunda-feira, 9 de março de 2015

Com trama antenada a questões contemporâneas, Sete Vidas é a evolução do melhor do estilo manequiano

Muito se fala que os autores mais antigos simplesmente não conseguem se adequar aos tempos atuais. Volta e meia tratam de temas delicados com a sensibilidade de um elefante. Reflexo de diagnósticos feitos com cabeças geradas tendo em vista o público da década de 90. Aguinaldo Silva é um exemplo clássico mais clássico desses anacronismos. Nesse sentido, os novos autores surgem como ótima alternativa. À exceção dos vanguardistas Gilberto Braga e Maria Adelaide Amaral (que têm em seus times os mais contemporâneos Vincent Villari e João Ximenes Braga), a velha geração, em maior ou menor grau, volta e meia padece do problema. E é nesse contexto que surgem nomes como Lícia Manzo, autora talentosa que, revisitando o estilo quotidiano de Manoel Carlos, traz uma assinatura quase sempre sensata, razoável e dialógica em relação aos novos anos.
 
 
Sete Vidas segue o estilo consagrado de A Vida da Gente. Não por acaso a palavra vida se repete. Mais uma vez, o tom é o dia-dia atravessado por problemas das famílias atuais. Com acerto, Lícia escolheu uma problemática bioética para conduzir o seu folhetim. Em uma novela marcada pelo prosaico, ter um tema polêmico como pano de fundo é uma necessidade. O grande problema das últimas novelas de Manoel Carlos, a propósito, foi a falta desse elemento que serve como mote. Em Sete Vidas, o mote é forte, incômodo e sagaz. Inova no argumento e tem tudo para conduzir a novela a grandes encontros e desencontros. Desse modo, ainda que apresente uma dramaturgia bastante cuidadosa, Sete Vidas prende a atenção do início ao fim. Sem dúvida alguma, Lícia Manzo é também uma autora corajosa: a novela perpassa por tabus que seriam impensáveis no horário das 18 horas há alguns anos. Reprodução artificial já havia causado um estrondo muito significativo em Barriga de Aluguel. Em Sete Vidas, ela vem acompanhada por questões tão sensíveis quanto: homossexualidade e um incesto platônico, por exemplo. E ninguém melhor que Lícia para escrever a respeito. Sua abordagem costuma ser inteligente e multifacetada.
 
 
À parte do péssimo trabalho em Em Família, Jayme Monjardim parece buscar a redenção. Sete Vidas dá espetáculo em fotografia, trilha sonora, direção de arte, entre outros aspectos técnicos fulcrais. O primeiro capítulo, a exemplo do excelente desempenho em A Vida da Gente, foi perfeito. Da mesma forma, o elenco é bastante competente. Já na abertura é possível ver nomes como Mariana Lima, Gisele Fróes, Ghilherme Lobo, Jesuíta Barbosa e Maria Eduarda de Carvalho. Excelentes atores que nem sempre entram nas panelas mais badaladas da televisão. O quarteto principal também agrada, principalmente por conta do retorno da sempre magnífica Débora Bloch. As expectativas são as melhores.

sábado, 7 de março de 2015

Mesmo terminando a solavancos, Boogie Oogie deixa horário com saldo positivo

É bem verdade que Boogie Oogie, novela que marcou a estreia de Ruy Vilhena na Rede Globo, terminou de maneira meio atrapalhada e excessivamente centrada no famigerado segredo de Carlota. A trama da megera monopolizou de tal modo que caiu em uma espécie de ritmo circular e truncado. No fim das contas, o maçante segredo de Carlota, além de pouco impactante, encerrou-se atravessado por alguns fatos mal explicados. A cena final, em que a antagonista vai em busca de parte do tesouro que havia escondido no túmulo de Ivan, foi ao mesmo tempo interessante e obscura. Interessante porque Carlota, de longe o grande personagem da trama, merecia um fim digno de nota. Mas também obscura, visto que a forma como aquela parte do tesouro foi parar em tal local poderia ter sido mais explorada.
 
 
Ambientes, figurinos e cenários também foram um problema. O blog comentou sobre isso há alguns meses. Se a história prendeu na maior parte do tempo, o trabalho de arte pareceu pouco comprometido com a pesquisa. Outrossim, quase nada foi mencionado a respeito do conturbado cenário sócio-político da época. Em uma novela da década de 70, o contexto do país é inafastável e deixar de abordá-lo é um problema gritante.
 
 
Em que pese tudo isso, Boogie Oogie termina como uma boa novela. A história quase sempre entreteve. Ruy Vilhena, a exemplo de autores de seriado, recheou a maioria dos capítulos com pequenos plot twists, técnica interessante em novelas contemporâneas. Um episódio sempre reservava sutis coincidências que conduziam a grandes reviravoltas. Ótima estratégia. Boogie Oogie também foi a novela das grandes atrizes. Nomes como Joana Fomm, Betty Faria e Giulia Gam retornaram ao vídeo em grande estilo. Alessandra Negrini, por sua vez, fez de sua Suzana a mais carismática das figuras. Fato que rendeu um final feliz ao lado do mau caráter e redimido Fernando.

 
No frigir dos ovos, Boogie Oogie usou a década de 70 como elemento meramente decorativo. Ainda assim, revisitar os dancin' days, as pantalonas e os telefones analógicos foi um grande prazer.



Parecer do blog: BOA.

quinta-feira, 5 de março de 2015

O Rei do Gado: quando a audiência acompanha a qualidade

Um dos grandes mitos da nova geração de noveleiros inclui o pressuposto de que novelas menos ágeis, com o roteiro mais trabalhado e uma fotografia menos industrial dificilmente caem no gosto popular nos dias de hoje. O sucesso da reprise de O Rei do Gado, obra-prima escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, desmente a tese. Superando com frequência a audiência de Boogie Oogie e Malhação, o folhetim de Barbosa é conhecido por privilegiar ao extremo a qualidade de execução em detrimento das batidas fórmulas que "especialistas" como Sílvio de Abreu (que agora é o grande manda-chuva da teledramaturgia global) vêm ajudando a consagrar.
 
A escrita de Benedito não é imediatista. Antes de um seriado, O Rei do Gado mais parece um clássico de matriz europeia. As tramas são entrelaçadas com cuidado, com atenção a possíveis buracos na cadeia causal e muito engajadas ao contexto social: o drama da desigualdade de distribuição de terras, a leniência do Congresso Nacional ou a onda imigratória do século XX que faz parte da raiz da cultura brasileira. A direção, do mesmo modo, não se preocupa com uma atmosfera mais industrial (algo consagrado nos últimos anos pelos ótimos trabalhos do núcleo de Ricardo Waddington). Luiz Fernando Carvalho, desde a primeira fase, apresenta a preocupação de dar sentido à sua direção, algo que envolve mínimos detalhes: a luz alaranjada da primeira fase, a escalação de atores e atrizes com estereótipos parecidos, o trabalho envolvendo planos e sequências pouco ortodoxos ainda hoje.
 
Assim, o sucesso de O Rei do Gado é muito mais do que o sucesso de um novelão clássico. Não há nada de clássico, na verdade, na sua estrutura dramatúrgica ou técnica: não há mocinhos ou vilões, não existe núcleo cômico, não há uma trilha que segue os hits do momento. O que há em O Rei do Gado que explica o seu sucesso é justamente o que faz a novela fugir do padrão tradicional. Assim como Renascer, a novela protagonizada por um caricato Antonio Fagundes se notabiliza por seu vanguardismo. E é por conta dessas peças que a audiência prega que devemos sempre desconfiar das fórmulas que moldam novelas em estruturas ideais, em standards que enjaulam autores em modelos recomendáveis.

terça-feira, 3 de março de 2015

Alto Astral: o mais-do-mesmo também pode ser ótimo

Alto Astral é uma novela muito clássica. Mocinhos, vilões, o núcleo cômico, tudo está como estava na década de 90. Mas não basta que uma fórmula seja seguida para que uma novela emplaque. Exemplos não faltam, e o sucesso de algo tão feijão-com-arroz depende bastante da habilidade do autor. E Daniel Ortiz, autor estreante, vem provando que sabe fazê-lo tão bem quanto o mestre, Sílvio de Abreu.
 
Alto Astral é uma típica novela das sete. É leve e persegue o entretenimento rasgado. Para isso, conta com uma dramaturgia bem clássica: as escaletas de Alto Astral sempre deixam a sensação de que já foram vistas em outras novelas. E funciona: Como Chaves ou A Lagoa Azul, o repeteco também diverte. Ademais, o elenco é bem-escalado. Destaque para Sérgio Guizé, que funciona ao mesmo tempo como alívio cômico e motivo dramático. Na direção, ninguém melhor do que ele: Jorge Fernando. Jorginho ainda é o mais indicado quando o assunto é pastelão clichê. Ninguém conhece mais do assunto.
 
Depois de alguns capítulos, Alto Astral já se consolidou como uma ótima opção. Não é a novela que vai mudar a sua vida, é claro. Mas sem dúvida é a melhor opção de divertimento que o horário fornece.