sábado, 23 de maio de 2015

Entre ajustes ruins e boas estreias, Sete Vidas se consolida como melhor novela do momento

A Rede Globo vem passando por um momento estendido de renovação. Isso, claro, corresponde a boas estreias, caso de I Love Paraisópolis e Amorteamo, mas também a ajustes realizados em tramas que, como o resto da programação, sofrem com a baixa no Ibope, caso de Babilônia.
 
 
I Love Paraisópolis estreou com o pé direito. Alcides Nogueira sempre escreveu com muita qualidade. Aliado a Mário Teixeira, Alcides conseguiu, na novela protagonizada por Bruna Marquezine, dar um passo além de sua competência textual: em I Love Paraisópolis, ele consegue falar diretamente com o público. Uma novela ágil, colorida, bem-escrita e concatenada com a realidade. Baseada no velho (mas interessantíssimo) abismo entre o Morumbi e Paraisópolis (tema de uma das fotos mais famosas do século XXI, a propósito), Alcides e Mário inseriram elementos grudentos que, no contexto das novelas das sete, funcionam com frequência: um romance baseado em uma diferença acentuada de classes, uma trupe de vilões de classe média-alta bonitos e sedutores (de onde também vem, é claro, o mocinho), uma direção com tintas fortes e iluminadas (e, em um retorno de Wolf Maya aos bons trabalhos, bastante acertada). Mas é justamente nestas marcações tão fortes que a novela apresenta as suas fragilidades: por vezes nada escapa da caricatura. O tom muito farsesco toma conta do classismo que fundamenta a novela. Como consequência, todo o resto é contaminado: consegue-se perceber o clima exagerado nas interpretações de Letícia Spiller, Caio Castro e Fabiúla Nascimento (alguém precisa avisá-la das diferenças entre os dialetos caipira e paulistano), todos rendidos a tipos que parecem saídos de uma esquete de gosto duvidoso. Apenas poréns.
 
 
Amorteamo, por sua vez, repete a linguagem que Luiz Fernando Carvalho inaugurou com Hoje em Dia de Maria. Entretanto, a série encabeçada por Cláudio Paiva recebe a não coincidente influência de Guel Arraes. Nessas tintas de Tim Burton brazuca-nordestino, Amorteamo vem entregando um produto de qualidade. Ainda que não haja nada de muito novo na proposta (mesmo que vendam o seriado como algo revolucionário), o texto é bem-amarrado, os atores estão acertados e, é óbvio, a direção dá um show. Flávia Lacerda tem tudo para fazer uma excelente carreira por trás das câmeras. Destaque para a excepcional trilha sonora, para a empolgante abertura (uma das melhores dos últimos anos),e para as interpretações de Letícia Sabatella e dos surpreendentes Johnny Massaro (pela pouca idade), Jackson Antunes (pela negligência da crítica em relação ao seu talento) e Marina Ruy Barbosa (jovem atriz que, em Amorteamo, consolida o seu processo de evolução).
 
 
Babilônia, por seu turno, vem passando por um processo inverso: perde qualidade em um ritmo alucinante. Não se sabe se por um atropelo de Ricardo Linhares, Gilberto Braga e João Ximenes Braga ou pelas intervenções de uma direção de dramaturgia que, não é segredo, é muito equivocada, Babilônia sofreu uma série de remendos que, em última instância, esvaziaram a sua essência. Criada para ser revolucionária, o folhetim passou por um processo de "caretização industrial". Alice (Sophie Charlotte) era uma das personagens mais promissoras. Assim como Angel, a protagonista de Verdades Secretas (futura novela de Walcyr Carrasco), a mocinha meio torta prometia causar furor. Mas a endireitaram. Alice se tornou mais uma mocinha insípida. Este foi só o começo de um esvaziamento completo de todo a estrutura da novela contestadora. Seguiram-se a isso as restrições aos casais gays de Babilônia (com a redução das cenas de Estela e Tereza, primeiro, e a simples heterossexualização de Carlos Alberto, que optou por uma paixão platônica pela chata Regina em vez de envolver-se com Ivan). Os remendos comprometeram o próprio argumento da novela: deixou de ser a ambição de três mulheres para se transformar em mais uma trama de vingança à la Egídio, Orestes e Clitemnestra. Enfim, o que mais o blog temia aconteceu: para adequar a novela ao público conservador, a direção da Globo conseguiu esvaziá-la de modo a afastar o telespectador mais progressista-liberal. Faltou inteligência. E a novela virou um Frankenstein de clichês sustentados por um vazio nada interessante.
 
 
Em meio a esse contexto, Sete Vidas se destaca com um produto primoroso. Lícia Manzo mostra o cuidado que tem com o seu texto: nada é jogado, colocado de forma fortuita. A perícia pela qual as palavras se manifestam em sua trama demonstra que Lícia, mais do que uma autora que encabeça colaboradores, é uma escritora que participa ativamente do processo de criação. A humanidade de seus personagens também impressiona: todos eles podem ser vistos a qualquer momento, da dona-de-casa reacionária de classe média alta ao jovem paladino que defende, ainda que com um telhado de vidro evidente, o bom-mocismo mais hipócrita. Lícia é sensível o suficiente para, em tempos em que críticos cobram cada vez mais agilidade, preparar uma trama que não atropela, que não se equivoca, que se desenvolve com paciência. Mais do que agilidade, Lícia expõe que, em qualquer obra de ficção, é preciso contar boas histórias. E Lícia faz isso com uma verossimilhança magistral. Sete Vidas é a melhor novela do momento.

sábado, 9 de maio de 2015

Embora muito piegas, Alto Astral cumpre o objetivo e entretém com trama bem contada

Alto Astral não entrará para a história. Alto Astral não foi a novela das novelas. Alto Astral causou vergonha alheia em alguns momentos. Mas Alto Astral, com toda essa vocação para a mediocridade, emplacou (e não me restrinjo à audiência, mas também à crítica). A grande questão é que Daniel Ortiz conseguiu ser muito eficiente em reproduzir a fórmula textual das novelas das sete: o pastelão, o romance e o didatismo. É bem verdade que o folhetim trouxe grandes marcas de inovação: de personagens emblemáticos como Samantha (Cláudia Raia) a cenas que encantaram pela engenhosidade, p. ex. a sequência em que Afeganistão (Gabriel Godoy) apresenta a namorada fantasma para a família. No entanto, a novela esteve no mais seguro dos solos na maior parte do tempo. E acertou justamente aí: cumpriu bem o papel de entreter de acordo com a fórmula mais tradicional de novela.
 
A direção de Jorge Fernando acompanhou a tendência da dramaturgia. E ninguém melhor que Jorge para dirigir comédias das sete. O tempo passa, mas Jorginho continua funcionando. Ainda que o chamem de repetitivo e batido, a verdade é que Jorginho inaugurou todo uma marca. Toda novela de Jorge Fernando é facilmente identificável. Isso, porém, é uma vantagem. O elenco também se mostrou muito acertado. Nomes consagrados como Christiane Torloni, Cláudia Raia e Elizabeth Savalla estiveram em perfeita harmonia com gratas revelações. Gabriel Godoy e Conrado Caputo estouraram em seus personagens. Performances negativas foram bem pontuais: Thiago Lacerda continua over e pouco articulado; Débora Nascimento precisa de mais naturalidade; Nathália Dill, apesar de talentosa, necessita mostrar mais recursos em personagens mais diversificados.
 
O grande contrapeso de Alto Astral esteve no excesso de pieguice. Não foram raros os momentos em que o drama se tornou pouco crível e até meio ridículo. A menina Bella, ainda que muito fofa, quase sempre entrava em sequências recheadas de situações para lá de esdrúxulas. Todo o papo de amor incondicional entre irmãos e de evolução espiritual (ainda mais em uma novela que nunca se preocupou em seguir uma cartilha muito ortodoxa de kardecismo) também constrangeu frequentemente. Seja como for, Alto Astral conquistou o seu objetivo: entreteve de maneira eficiente. Uma novela que não mudou a vida de ninguém, é verdade. Conseguiu, entretanto, marcar a história com tramas bastante adoráveis. Parabéns ao estreante Daniel Ortiz e, é claro, à já célebre Andrea Maltarolli, autora da sinopse que por uma infelicidade deixou-nos ainda muito jovem.
 
 
7/10



quinta-feira, 7 de maio de 2015

Esforço por deixar trama mais conservadora deve afastar o público progressista de Babilônia

Às vezes a emenda sai pior do que o soneto. Há um problema claro em Babilônia, mas mais de forma do que de conteúdo: a trama lenta e pouco articulada afasta qualquer tipo de público. Esta é a alteração mais premente. Mas a novela vem passando mesmo por uma alteração de conteúdo: Alice deixou de ser candidata à prostituta e virou uma mocinha clássica, mudança que, apesar de feita de modo interessante (à la "Pretty Woman"), comprometeu boa parte da força do enredo. Agora, Carlos Alberto foi heterossexualizado, algo que pega bem mal em parte da audiência. Justamente na parte da audiência que gosta da novela. No fim das contas, o público cativo do folhetim, naturalmente mais progressista, pode desistir. No frigir dos ovos, pode não sobrar ninguém. E a atual direção de teledramaturgia, tão esforçada em entender o mercado, mostra mais uma vez que precisa estudar que algumas obras têm o seu nicho.

domingo, 3 de maio de 2015

Quem tem medo das bandeiras desfraldadas?

Sete Vidas é uma novela especial. Com uma qualidade textual incrível, Lícia Manzo inscreve seu nome na lista de grandes autores da nova geração. Babilônia, por sua vez, enfrenta problemas de audiência. Desde a primeira semana, Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga vêm sofrendo com o desinteresse generalizado do público.
 
Daí que a crítica, como de costume, apresenta as suas motivações para o antagonismo de resultados entre as duas tramas. A primeira, dizem, é eficiente na medida em que não levanta bandeiras e não causa polêmica. A segunda, por sua vez, sofreria por uma espécie de síndrome de politização generalizada do cotidiano. Bobagem completa.
 
Primeiro porque Sete Vidas não é boa por não levantar bandeiras. Pelo contrário, a novela levanta, sim, seus questionamentos, quase sempre direcionados a uma problematização que resvala nas relações sociais. Segundo porque Lícia Manzo é excepcionalmente cuidadosa com o seu texto. Raridade em dias de roteiristas imediatistas, Lícia transita muito bem entre a qualidade formal (um rebuscamento não hermético) e a material (a densidade de suas tramas e a forma pela qual elas se entrecruzam).
 
Terceiro porque Babilônia tem sua força justamente em seu caráter contestador. É por sua constante desconstrução de valores hipócritas que Babilônia cresce em avaliação crítica. E a maior preocupação de quem assiste a novela, a propósito, consiste num possível processo "apatização" do enredo, algo que deixaria o folhetim como todos os outros que o antecederam. Quarto, Babilônia não tem os seus defeitos em seu aspecto formal, mas no material: nas primeiras semanas, a trama correu de maneira preguiçosa. Faltou enredo e um desenvolvimento mais palpável de seu argumento. Agora, com a concentração da trama em sua sinopse, a novela parece ter retomado o rumo de um grande folhetim.
 
Por fim, também é uma falácia acreditar que Sete Vidas e Babilônia se encerram em um antagonismo completo. De início, considero as duas tramas excelentes, cada qual com a sua marca. Mas Sete Vidas não é perfeita: todos os personagens parecem muito articulados, muito civilizados, não há um elemento que apenas atire um prato na parede. Muito menos Babilônia é símbolo de absoluta imperfeição: é uma novela corajosa, instigante, com um potencial ainda muito grande. Resta esperar.