quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Com muitos problemas e imprecisões, Babilônia deixa horário com uma das mais necessárias novelas dos últimos tempos

Babilônia encerrou sua trajetória com problemas grandes. Não apenas de audiência, visto que a trama dirigida por Dennis Carvalho obteve a menor média da história da faixa, mas também de execução. O principal defeito, vale dizer, é facilmente detectável: a falta de argumento. Havia, no início, a expectativa de que o mote do folhetim fosse a ambição de três mulheres muito diferentes. Mas a verdade é que esse indício não se concretizou: em nome de audiência, vários remendos foram feitos e uma vingança foi inventada de maneira abrupta para justificar o aceleramento da trama de Inês (Adriana Esteves) e Beatriz (Glória Pires). Ocorre que, com isso, a "corrida" transformou-se em um embate tacanho e a novela deixou de ter o eixo do paralelismo como justificativa. Regina (Camila Pitanga) ficou meio perdida e converteu-se em uma heroína ainda mais chata do que já havia demonstrado nos capítulos iniciais. Com isso, o argumento se desfez. Os acontecimentos do primeiro capítulo, apesar de em geral terem sido muito bem utilizados ao longo do folhetim, não demonstraram força o suficiente para sustentar uma novela de tantos meses. Tudo ficou arrastado e ao mesmo tempo fortuito demais, como se os acontecimentos se desenrolassem ao acaso e sem haver uma base forte que entrelaçasse as tramas. O excesso de interferência da emissora, enfim, revelou-se uma grande tragédia. Também surpreendeu a falta de gana dos autores em abrir novos caminhos sem modificar o argumento de sua novela.
 
Apesar de todos esses problemas, Babilônia, por incrível que isso pareça para telespectadores mais imediatistas, deixou um dos maiores legados da televisão dos últimos anos. O texto de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga apresentou um senso de criticidade e contextualismo raro em autores de telenovela. Racismo, homofobia, corrupção, tudo foi tangenciado por diálogos ferinos e muito bem desenvolvidos. Se não havia uma história maior e tudo pareceu casual demais, a "microdramaturgia" nunca deixou a desejar. Tiradas fantásticas não foram raras entre o marasmo que tomou conta de boa parte da novela. Em um diálogo entre Aderbal (Marcos Palmeira) e Tereza (Fernanda Montenegro), por exemplo, o prefeito evangélico evocou o desejo da maioria para justificar o seu preconceito acentuado contra homossexuais. A advogada, entretanto, respondeu com inteligência: nem sempre a maioria toma decisões democráticas e solidárias, isto é, a História da civilização mostra que o povo pode, sim, ser ditatorial e atropelar os direitos das pessoas que, não pertencendo à tal maioria, ficam mais fragilizadas diante de decisões políticas autoritárias. A democracia, assim, encontra-se justamente na necessidade de garantir o direito de todos, inclusive o direito das minorias. Uma passagem fantástica. E não foi a única.
 
Nesse tom político, aliás, as melhores histórias se desenvolveram. Consuelo Pimenta (Arlete Salles) consolidou-se ao longo do tempo como grande personagem de Babilônia. Preconceituosa, o arquétipo do novo rico pouco instruído que mora na Barra, a aspirante a socialite fez rir e causou ótimos momentos. Excelente ver Salles de volta a um papel à sua altura, coisa que não acontecia, ao menos em novelas, há bons anos. Também me agradou bastante o perfil de Beatriz, vilã interpretada pelo ícone Glória Pires. Uma espécie de Raskolnikov de saias, Beatriz levou sua amoralidade de maneira interessante. Beatriz tinha opiniões razoáveis e seus argumentos sempre se mostraram bem-concatenados. Não era, por exemplo, preconceituosa ou colérica. Um contraponto às vilãs clichês que mais babam do que falam. Tereza, a terceira grande mulher da novela, também foi, sim, um presente para Fernanda Montenegro. Dona do beijo mais comentado da história das novelas, Tereza interpretou a razoabilidade ética, uma oposição interessante ao equilíbrio amoral de sua enteada Beatriz. Se Bete Gouveia é uma página que poucos lembram na carreira da nossa maior atriz, o mesmo não pode ser afirmado a respeito de Tereza.
 
Enfim, Babilônia foi repleta de problemas. Repeti-los chega a ser uma bobagem diante do show de críticas negativas que, com merecimento, pipocaram por aí. É preciso, mais, reconhecer que, apesar dos pesares, Babilônia deixou um grande legado. Assim como Os Gigantes, Babilônia é um ponto que sempre será comentado por sua coragem em questionar.


6/10

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Comentário

Walcyr Carrasco é muito talentoso no que diz respeito à dramaturgia de suas obras. Sabe bem amarrar suas tramas de modo a prender a atenção de seu telespectador. A direção arrebatadora de Maurinho Mendonça, é claro, ajuda bastante. Mas é notável, contudo, que Verdades Secretas parece ter se rendido a um texto evidentemente mais pobre e mais inverossímil. Nos últimos capítulos, houve uma queda substancial de qualidade. Uma pena, visto que Verdades Secretas tem tudo para se tornar a novela do ano. Que chamem Maria Elisa Berredo.
 
 
Babilônia, por sua vez, é uma novela com um texto provocativo e crítico. Nada é muito fácil nas falas dos personagens da novela das nove. Muitas vezes ácido, Babilônia toca em diversas feridas sociais, e nisso o folhetim sustenta sua qualidade. Mas ao contrário de Verdades Secretas, não há história em Babilônia. A impressão conjuntural da obra transparece um arranjo fortuito, casual, sem nenhum eixo que sustente os acontecimentos. Como nos piores momentos de Manoel Carlos, Babilônia carece de qualidade quanto à dramaturgia. Falta uma das coisas principais, senão a principal, de qualquer obra de ficção de massa: um roteiro com um eixo forte de desenvolvimento.