sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

E o jogo ainda não virou

A Regra do Jogo poderia ter representado o grande ponto de maturidade de João Emanuel Carneiro, autor do maior sucesso de audiência dos últimos 5 anos, Avenida Brasil. A expectativa da emissora, aliás, era algo como um fenômeno capaz de recuperar os baixos índices do folhetim anterior, Babilônia, de Gilberto Braga. Lançado como produto da grife 'João Emanuel Carneiro', muito se esperava do autor que, para muitos, é o mais talentoso do time da nova geração.
 
Mas A Regra do Jogo vem conseguindo reagir apenas recentemente, ainda assim com números próximos ou inferiores aos 30 pontos (mas com tendência a crescer). É bem verdade que a novela competiu por muito tempo com 'Os Dez Mandamentos', fenômeno exibido pela TV Record. Também é verdade, porém, que Babilônia, o fracasso de audiência que antecedeu a novela de Carneiro, nunca chegou a perder para o produto concorrente.
 
Seja como for, é evidente que audiência e qualidade não andam necessariamente juntas. Não foram poucas as boas novelas injustiçadas pelo público, de Lado a Lado até A Vida da Gente. Também não foram poucas as novelas de baixa qualidade que fizeram bastante sucesso, caso de Fina Estampa, por exemplo.
 
Contudo, não se pode dizer que A Regra do Jogo chega a ser um bom produto. Se a crítica esperava um João Emanuel Carneiro maduro, o resultado final decepcionou bastante: sinopse pobre, confusa, maniqueísta, uma tentativa de mal-ajambrada de repetir novelões políticos à la Lauro César Muniz.
 
E ficou na tentativa. João Emanuel Carneiro tem uma visão de Brasil rasa, maniqueísta, quase reacionária. Apresenta uma "facção" que permeia todos os núcleos da sociedade, homens do mal que sustentam toda a desgraça dos cidadãos de bem, personagens que geralmente vivem em uma comunidade carente idealizada, superficial, uma favela de plástico. A tal facção faz parte de um argumento megalomaníaco, quase fantasioso, algo difícil de engolir fora de uma história bem-construída, alicerçada, estabelecida com personagens ricos e um roteiro interessante. Mas a história é fraca, desinteressante, cansativa na maior parte do tempo. E o argumento se torna confuso, pouco acessível diante da falta de interesse de acompanhar uma história que, não tendo a simplicidade de um bom romance policial ou o suspense bem-construído de um thriller, torna-se rapidamente esquecível.
 
Além disso, João permeia seu roteiro (para variar, cheio de furos) com ironias bobas, desconexas, programas que poderiam ser criados pelo velhinho que, leitor assíduo de jornalões, destila preconceitos e arquétipos preconcebidos: o esquerdista hipócrita, o new rich ostentador, o velho rico decadente da Zona Sul. Tudo muito batido e irrelevante tanto para a crítica especializada quanto para o público menos engajado. Mesmo as suas tentativas de humor são forçadas, ridículas e adeptas de politicamente incorreto que, longe de ter a genialidade de um Miguel Falabella, não fazem jus à posição de um escritor de novelas de horário nobre (ainda mais, tão badalado): no capítulo de ontem, por exemplo, uma personagem incorporou uma entidade de umbanda de repente, estratégia que, imagino eu, serviria como alívio cômico. Não serviu. Além de apresentar uma visão pobre de umbanda, a cena pareceu, no fim, como uma esquete de programa de humor de má qualidade.  
 
Isso sem dizer no universo criado pelo autor: se isso era o forte em Avenida Brasil, em A Regra do Jogo não há muito o que se salvar. Personagens repetitivos (como Atena, a velha vilã oxigenada e debochada, ou Ascânio, reedição do Nilo de Avenida Brasil) ou apenas pouco complexos (como Toia, a mocinha ''batalhadeira'', ou Gibson, o poderoso chefão sem nenhuma carga emocional) perpassam toda a novela. A impressão do corpo de personagens é que o resultado saiu um pouco frustrado: o autor se esforçou em criar tipos excêntricos e acabou exagerando nas tintas, transformando-os, por um lado, em repetecos de outros papeis que já criou e, por outro lado, em caricaturas distantes de um mínimo de complexidade. Nada a salvar.
 
Cabe destacar a atuação over de Giovanna Antonelli, uma das atrizes mais talentosas de sua geração. Atena, porém, é página a ser queimada. Alexandre Nero também não está fazendo um trabalho inesquecível, diga-se de passagem, ainda mais em um personagem que destoa muito da qualidade do Comendador José Alfredo, um dos poucos acertos de Aguinaldo Silva em Império. Vanessa Giácomo e Cauã Reymond não têm muito o que fazer diante de personagens tão enfadonhos e insípidos, assim como José de Abreu, Renata Sorrah e Suzana Vieira, atores de primeiríssima linha fadados a papeis sem nuances. Talvez haja potencial em Zé Maria, personagem de Tony Ramos. A conferir. Destaque mesmo apenas para Cássia Kis, atriz que conseguiu levar a novela nas costas em boa parte da trama.
 
Por fim, Amora Mautner parece não ter se estabelecido fora do núcleo de Ricardo Waddington. Ao contrário dos colegas Mauro Mendonça Filho e José Luiz Villamarin, Amora mostra, com A Regra do Jogo, que precisa amadurecer tecnicamente. À parte da boa direção de atores (seu forte, sem dúvida), Amora precisa evoluir em fotografia e direção de arte. Uma diretora de núcleo deve ter o controle de todas essas variáveis.